DRAMATURGIA MURALISTA.
A dramaturgia muralista é uma técnica de escrita que tenta traduzir esteticamente os efeitos do sistema de repressão organizada, instituído como política de Estado na ditadura civil-militar brasileira. Ave Terrena se voltou à técnica muralista já utilizada por alguns artistas-referência, em períodos históricos de grande transformação social: Oswald de Andrade, nos romances muralistas da série Marco Zero; os pintores mexicanos Diego Rivera e José Orozco, na década de 30, que tentaram recriar em murais monumentais uma síntese da história de seu país; e Patrícia Galvão (Pagu), no romance proletário Parque Industrial, lançado em 1930. Tanto Oswald, em seus romances, quanto os mexicanos, nos murais, se valiam de cenários profusos, de várias épocas. Personagens às centenas, em estado de perambulação pelo tempo, pelo espaço e pela cultura. Esse olhar tumultuado, que atravessa tempos diferentes e reúne grupos sociais em atrito, seria mais afinado ao ritmo da modernidade, e também ao tumulto que ele causa. Ave Terrena tentou escrever uma literatura para a cena, veloz, industrial, que abdica do EU em prol do COLETIVISMO. O resultado é uma escrita cheia de tensões e desarranjos internos, em que as sucessivas justaposições de narrativas independentes criam uma confusão de percepções, assim como faz Pagu em Parque Industrial. Para viabilizar esse projeto de escrita cenicamente, foi necessário organizar o material em BARBANTES, sendo que cada um deles corresponde a uma narrativa de um grupo afetado pelo sistema repressivo do Estado de exceção entre 64 e 89. São eles: barbantes vermelho (E LÁ FORA O SILÊNCIO); barbante roxo (AS 3 UIARAS DE SP CITY); e barbantes verde e amarelo (O CORPO QUE O RIO LEVOU)
O Corpo que o rio levou
Texto: Ave Terrena
Direção: Diego Moschkovich
Elenco: Diego Chilio, Fredy Allan, Maria Emília Faganello, Sofia Botelho e Sophia Castellano
Música: Felipe Pagliato, Gabriel Barbosa
Cenografia e iluminação: Wagner Antonio
Figurino: Diogo Costa
Desenho de videomapping: Camilla Márquez
"O corpo que o rio levou" surgiu da investigação sobre o relatório da Comissão Nacional da Verdade. O Objetivo da Comissão era apurar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988, com foco no período da ditadura militar. Esse recorte histórico, tanto no relatório quanto na dramaturgia, decorre da tentativa de reler a narrativa do Brasil sob novas bases, tomando o golpe de 64 como marco da contemporaneidade brasileira. Um projeto de país se consolidava, admitindo, como princípio básico da sociedade, uma crise permanente para a classe trabalhadora, percebida, no caso deste texto, principalmente na realidade de cortes orçamentários e censura à classe artística. Do entrelaçamento dos barbantes VERDE e AMARELO, chegou-se ao texto que, retrabalhado permanentemente junto à equipe criadora do LABTD, estreou no CCSP em março de 2017, circulando em temporada por assentamentos e ocupações de luta por terra e moradia, e nas bibliotecas públicas da cidade de São Paulo.